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ICMS Estimativa por Operação Simplificada (CARGA MÉDIA) - Ilegalidade e Inconstitucionalidade
09/08/2013
O Estado de Mato Grosso instituiu através do Decreto 392/2011, o “ICMS Estimativa por Operação Simplificada – ICMS Carga Média”, sob o pretexto de alterar o Regime de Apuração do imposto, e, por conseguinte, criou novas espécies tributárias, alterando aspectos até então imutáveis do ICMS, burlando a necessidade de lei complementar para tanto, visto que extrapolou a Lei Kandir, bem como os limites constitucionais e do Código Tributário Nacional.
Estas exações, previstas por lei ordinária estadual, e regulamentadas por decretos, possuem vícios insanáveis, quais sejam:
a) alteração da forma de lançamento (de homologação para ofício) – como regra geral de cobrança – em desprestígio do CTN;
b) substituição de um tipo tributário por outro, sem amparo legal;
c) alteração da base de cálculo do imposto, sem a existência de lei complementar, aplicando percentuais baseados em carga fiscal média;
d) fixação de bases de cálculo diferenciadas e condicionais, ferindo o princípio da isonomia;
e) eliminação do acerto periódico, requisito essencial ao Regime de Estimativa; entre outras.
Uma das particularidades do sistema tributário constitucional brasileiro é reservar à lei complementar a definição dos aspectos gerais em relação ao tema tributário, de modo que o legislador estadual deve obediência a tais preceitos.
Destarte, o art. 146, II, da Constituição Federal estabelece que “Cabe à lei complementar: II - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). (Sublinhei).
Por sua vez, a Lei Complementar n. 87/96 prevê em seu art. 26 que “Em substituição ao regime de apuração mencionado nos arts. 24 e 25, a lei estadual poderá estabelecer: I - que o cotejo entre créditos e débitos se faça por mercadoria ou serviço dentro de determinado período; II - que o cotejo entre créditos e débitos se faça por mercadoria ou serviço em cada operação; III - que, em função do porte ou da atividade do estabelecimento, o imposto seja pago em parcelas periódicas e calculado por estimativa, para um determinado período, assegurado ao sujeito passivo o direito de impugná-la e instaurar processo contraditório”. (Grifei).
Nota-se que, em relação à instituição do regime de cobrança do ICMS por estimativa, a LC n. 87/96 impõe ao legislador estadual a observância de regras específicas, quais sejam, porte ou atividade do estabelecimento que justifique o regime; periodicidade do pagamento das parcelas, cujo cálculo será feito por estimativa; existência de um determinado período; e a garantia de impugnação desse cálculo mediante a instauração de processo que assegure o contraditório.
No § 1º do referido art. 26 da LC n. 87/96 está estabelecido, ainda, que “(...) ao fim do período, será feito o ajuste com base na escrituração regular do contribuinte, que pagará a diferença apurada, se positiva; caso contrário, a diferença será compensada com o pagamento referente ao período ou períodos imediatamente seguintes (...)”.
Denota-se, pois, que a Lei Complementar n. 87/96 admitiu o cálculo do imposto por estimativa nas operações em que sua apuração torna-se difícil em função do porte ou da atividade do estabelecimento, de modo que o objetivo é justamente permitir sua contribuição, facilitando a apuração do valor devido.
Em obediência a esse comando, foi prevista na Lei Estadual n. 7.098/98, sem seu art. 30, III, a adoção desse regime, isto é, “em função do porte ou da atividade do estabelecimento, no qual o imposto será pago em parcelas periódicas, assegurado ao sujeito passivo o direito de impugnação e de instauração do processo contraditório”.
No entanto, além desse regime, o legislador estadual inovou ao prever, no inciso V do art. 30 da Lei n. 7.098/98 [introduzido pela Lei n. 9.226/2009], a instituição “de regime de estimativa por operação ou prestação, nos termos do regulamento e normas complementares, cuja tributação poderá, cumulativa ou alternativamente, objetivar: a) prevenir desequilíbrios da concorrência pela exigência a cada operação ou prestação com eventual encerramento da fase tributária; b) a simplificação, mediante exigência baseada na carga tributária média e eventual encerramento da fase tributária”.
Para regulamentar esse dispositivo de lei, foi editado o Decreto n. 392, de 30 de maio de 2011, o qual introduziu os arts. 87-J-6 a 87-J-17 do RICMS/MT.
O art. 87-J do referido Regulamento dispõe:
“Art. 87-J-6 Respeitadas as hipóteses, condições, forma, limites e prazos estabelecidos nesta seção, em substituição aos demais regimes de tributação previstos neste capítulo, o pagamento do imposto poderá ser exigido, de ofício, no âmbito da Secretaria de Estado de Fazenda, mediante regime de estimativa por operação simplificado, designado regime de estimativa simplificado, consistente na aplicação de carga tributária média, apurada para a CNAE em que estiver enquadrado o contribuinte mato-grossense. (cf. inciso V do art. 30 da Lei n° 7.098/98, redação dada pela Lei n° 9.226/2009 – efeitos a partir de 1° de junho de 2011)”.
Quanto à forma de se estimar o imposto a cada operação, o art. 87-J-7 preceitua que “a carga tributária média corresponderá ao valor que resultar da aplicação sobre o valor total das Notas Fiscais relativas às aquisições interestaduais, no período, de percentual fixado para a CNAE em que estiver enquadrado o contribuinte, nos termos do Anexo XVI. (efeitos a partir de 1° de junho de 2011
Denota-se, pois, que a forma de apuração e cálculo do ICMS prevista no art. 30, V, da Lei n. 7.098/98, e regulamentado pelo Decreto n. 2.734/2010 (arts. 87-J a 87-J-5 do RICMS/MT), extrapola o arquétipo delimitado no art. 26, III, e § 1º, da Lei Complementar n. 87/96, além de implicar em alterações no tipo tributário do imposto ao definir sua base de cálculo.
Como visto, o art. 26, III, da LC n. 87/96, impõe ao legislador estadual a observância de certas condições para a adoção do regime de apuração por estimativa, como a função do porte ou da atividade do estabelecimento que justifique tal modalidade, o que não se constata nos arts. 87-J-6 e seguintes do RICM/MT.
Outra circunstância autorizadora desse regime é a periodicidade do pagamento das parcelas, cujo cálculo será feito por estimativa, para um determinado período, não tendo sido facultado ao legislador ordinário estadual a estimativa na forma prevista no regime estimativa denomidado ICMS Carga Média.
Vige no nosso ordenamento jurídico-constitucional o princípio da legalidade tributária, definida por José Eduardo Soares de Melo, para quem “A instituição, majoração e extinção dos tributos (art. 150, I, III, a e b, da Constituição), bem como os casos de subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições (art. 150, § 6º) devem ser sempre previstos em “lei”, compreendidos como espécie normativa editada pelo Poder Legislativo (excepcionalmente pelo Poder Executivo, nos casos de medidas provisórias previstas no art. 62 da Constituição), contendo preceitos vinculantes” (in Curso e Direito Tributário7ª edição, 2007, Editora Dialética, São Paulo, p. 20).
Dessa forma, por se tratar de matéria que diz com a natureza intrínseca do tributo, que faz parte da sua própria definição, e conforme acentuado pelo art. 150, caput, e § 6º, da CF, a majoração ou redução de base de cálculo deve ser efetuada mediante lei formal, não sendo possível a delegação de tal função ao Poder Executivo, sob pena de se retirar qualquer eficácia do princípio da legalidade.
Também sobre esse tema já se posicionou o e. Supremo Tribunal Federal:
O Poder Público está rigidamente sujeito, no regramento de matérias que exijam disciplinação mediante atos normativos primários – como ocorre na veiculação de temas de direito tributário que concernem às relações entre o Estado e o contribuinte – ao princípio constitucional da reserva de lei. Este postulado, enquanto valor subordinante da atuação governamental, extrai a sua autoridade da matriz jurídica de que se origina, qualificando-se como fator condicionante da própria validade e eficácia das deliberações estatais que versem como aquelas pertinentes às matérias referidas nos preceitos legais impugnados nesta sede de controle normativo abstrato.
(...)
Não basta, portanto, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo para que se legitime, desde logo, a atividade estatal. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado – como o Poder Executivo – produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar” (ADI 1296 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/1995, DJ 10-08-1995 PP-23554 EMENT VOL-01795-01 PP-00027). (destaquei).
Outro ponto relevante se refere à reserva de lei complementar para dispor sobre critérios especiais de tributação com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo, conforme estabelece o art. 146-A da Constituição Federal.
Logo, a alínea “a” do inciso V do art. 30 da Lei n. 7.098/98 ao colocar como finalidade do regime de estimativa por operação simplificada (Carga Média) a prevenção de desequilíbrios da concorrência, invade a competência privativa de lei complementar para tal mister, nos termos do art. 146-A, da Constituição Federal.
O Regime de Estimativa, estabelecido pela Lei Kandir, encontra-se fundamentado no inciso III, do artigo 30 da Lei Estadual de Mato Grosso. O Regime de Estimativa por Operação Simplificada, encontra-se embasado no inciso V, do referido artigo, e não devidamente como determina a Constituição Federal, que deveria ser em Lei Complementar” .
Ainda no que se refere à reserva de competência à lei complementar, percebe-se que a forma de constituição do crédito tributário foi alterada, uma vez que consoante os arts. 87-J-6 a 87-, § 1º, J-17, do RICMS/MT, a cobrança do ICMS se dá mediante lançamento de ofício, e não mais por homologação, como previsto na LC n. 87/96, bem como na Lei n. 8.078/98. Logo, trata-se de mais uma afronta ao disposto na alínea “b”, do inciso III, do art. 146 da CF, que exige lei complementar para dispor sobre lançamento.
Já na Seção IV-B do RICMS, que trata do regime de estimativa por operação simplificada, há a previsão, exigida no § 2°-B do artigo 87-J-7 e no § 4° do artigo 87-J-9 , de que “a tributação na forma desta seção não dispensa o destinatário da mercadoria do recolhimento da diferença do imposto devido pelo regime de estimativa simplificado, em função da aplicação da lista de preços mínimos, observado o disposto no artigo 87-J-17. (efeitos em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1° de setembro de 2011)”.
Desse modo, na eventualidade da existência da lista de preços mínimos, é dado ao fisco exigir do contribuinte valores a título de complementar do ICMS Estimativa por Operação Simplificada.
Assim, nota-se que ocorre, a exigência do ICMS Complementar por Estimativa, hipótese que se coaduna com a imposição de tributo mediante a presunção de ocorrência do fato gerador, oportunidade em que, ainda, a base de cálculo será determinada por preço pautado/fixado.
Em que pese a autorização legal para que a cobrança por regime de estimativa seja regulada por normas complementares, é certo que tal atribuição não pode se dar ao arrepio do princípio da estrita legalidade tributária, segundo a qual os elementos típicos do tributo devem ser estipulados por lei em sentido estrito, o que não ocorre na hipótese do ICMS Carga Média, visto que a base de cálculo do ICMS Complementar estimado (§ 2º B do art. 87-J-7 e § 4º do art. 87-J-9) foi fixada por norma infralegal, qual seja, o Decreto n. 392/2011.
Ante o exposto, conclui-se pela ilegalidade e inconstitucionalidade do regime de estimativa por operação simplificada (ICMS Carga Média, estabelecido nos arts. 87-J-6 a 87-J-17 do ICMS, introduzido pela Lei n. 9.226/09 que acrescentou o inciso V ao art. 30 da Lei n. 7.098/98, e regulamentado pelo Decreto n. 392/2011.
Fonte de pesquisa: dispositivos citados no texto e Mandado de Segurança n. 6557-14/2011
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